No comando da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a economista Solange Vieira finaliza um pacote de simplificação de regras para aumentar a competição no setor e popularizar esse tipo de produto financeiro. Na visão dela, o brasileiro ainda não vê o seguro como necessário, mas a pandemia mostrou o quanto é: houve aumento de pagamentos de seguros de vida, saúde, aluguel e previdência. Funcionária do BNDES e ex-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), ela diz que o novo marco regulatório estimulará a entrada de novas empresas e o acesso dos consumidores a pacotes de pequenos seguros contra roubo de celular, computador ou bicicleta, por exemplo, a preços mais acessíveis.
As mudanças em elaboração pela Susep, são divididas em dois eixos. Um, já em consulta pública, trata dos chamados seguros massificados, voltados para consumidores. O outro, ainda em elaboração, diz respeito a seguros de grandes riscos, para empresas, como os exigidos em obras de infraestrutura. Como órgão regulador, a Susep tem autonomia para mudanças normativas sem passar pelo Congresso.Só para alterar o DPVAT, seguro obrigatório para o trânsito criado por lei, precisa de aprovação do Legislativo.
Em 2019, o governo editou uma medida provisória para extinguir esse tipo de seguro, mas não foi votada pelos parlamentares e perdeu a validade. Em entrevista ao GLOBO, Solange diz que a proposta foi mal interpretada. Admite que não há clima agora para uma nova tentativa, mas diz que o plano de acabar com o monopólio não foi abandonado.
O que muda para o consumidor no novo marco regulatório de seguros que a Susep prepara?
A gente quer que o brasileiro faça seguro. É importante que você tenha seguro de vida, de saúde, seguro-desemprego, que cubra a escola de seu filho se a sua renda cai, para o seu aluguel se você não consegue pagar. Há vários tipos de seguros, só que as regras sempre foram muito complicadas. A Susep sempre padronizou muito, não permitindo que seguradoras pudessem fazer produtos simples. Nosso objetivo é simplificar e permitir produtos simples, de preço acessível, para que a população passe a ter acesso ao seguro.
Por que o seguro é um produto que não vende tanto no Brasil?
E uma combinação de várias coisas. A estrutura regulatória é muito ruim, difícil, tem uma linguagem pouco acessível para a população. O brasileiro, culturalmente, não sente a necessidade de fazer seguro. O seguro por danos representa 1,1% do PIB. Na Argentina, está na casa de 3,1%. Seguro não é popular no Brasil, e o nosso trabalho é mudar isso. O único seguro que é popular é o de automóveis e, ainda assim, cobre só 30%, 40% da frota.
O que a Susep está fazendo para popularizar o seguro?
Uma das ações tem um nome complicado: sandbox (modelo de flexibilização de regras para estimular inovações). A ideia é fazer com que seguradoras pequenas possam desenvolver produtos simples, como seguro de celular, de computador, de bicicleta, de patinete, de equipamentos eletrônicos. Esses seguros não são praticados no Brasil em larga escala pelas grandes seguradoras. Nós baixamos o capital inicial da empresa e já temos mais de 10 inscritas. Na tradução literal seria mesmo uma ideia de caixa de areia onde você faz um teste com a empresa, tem que ser um projeto novo, ter bastante inovação.
Qual é a essência do novo marco regulatório do seguro?
A Susep sempre padronizou muito. Colocamos em consulta pública uma norma que a gente chama de massificados, que são seguros de valores menores, contratados por pessoas físicas, micro e pequenas empresas. Nesse seguro, ainda se precisa de um arcabouço de proteção do consumidor. Já em relação ao seguro de grandes riscos, o regulador tem que deixar as partes negociarem livremente. O objetivo é estimular a competição e produtos mais adequados. Quando o regulador interfere demais, você não consegue competir via preços porque todas as regras são dadas.
Qual a importância da flexibilização do seguro de grandes riscos?
Com a aprovação da nova lei do saneamento pelo Congresso, o Brasil tem um potencial enorme. São grandes obras de infraestrutura. Isso será importante em outras áreas, como energia elétrica, óleo e gás, construção de rodovias, hidrovias, aeroportos, na aviação e na exportação. A expectativa é que surjam novas empresas seguradoras no Brasil e haja atratividade para novos entrantes do mercado internacional. A gente tem 122 empresas, mas há espaço para muito mais. O mercado brasileiro se desenvolveu pouco devido ao regulador, e isso acabou gerando um número de empresas no mercado muito aquém do potencial.
Com o avanço da tecnologia, consumidores vão poder contratar seguro por aplicativo?
Essa é uma plataforma importante para a gente desenvolver produtos, e com bom preço para o consumidor. As seguradoras estão começando a desenvolver plataformas de venda pelo celular e internet.
A Susep passou a autorizar o seguro intermitente para veículos. Como ele funciona?
Esse seguro foi liberado pela Susep em 2019. Neste ano, teve um crescimento de demanda de 600% e uma queda de preço de cerca de 50%. Ele é “liga e desliga”. Você sai de carro, ele é acionado pelo seu celular. Quando você chega na garagem, desliga. O preço do seguro é menor, mas depende do seu perfil. Se você usa pouco o carro, vale a pena. Hoje, funciona só para veículos.
Se o setor crescer não será preciso ter mais controle?
Estamos criando um sistema de registro de operações para apólices de seguros. Será um tipo de registrador que opera para bancos. Esse sistema vai permitir às seguradoras fazer operações sofisticadas no mercado financeiro. Isso baixa o custo e elas vão poder oferecer produtos a preços menores. Do outro lado, o consumidor vai saber que tem apólice. Muita gente hoje faz um seguro de vida, morre e a família não sabe. Com esse sistema, a Susep vai poder ter informação on-line por CPF. Os primeiros registros começam em novembro, e o processo todo vai levar três anos.
De que forma a pandemia mexeu como setor?
Na pandemia, a gente vê o quanto está sendo utilizado o seguro de vida, de saúde, de previdência. O sinistro de fiança locatícia (aluguel) subiu de R$ 52 milhões em 2019 para R$ 157 milhões no primeiro semestre deste ano. De janeiro a junho de 2020 o resgate dos planos de previdência (PGBL e VGBL) foi de R$ 40,2 bilhões, contra R$ 35.3 bilhões no mesmo período de 2019. Esta variação ocorreu em março, quando começou a Covid-19. Em março, o resgate pulou de R$5.3 bilhões, que foi o número (do mesmo mês) de 2019, para R$10,1 bilhões. Agora, em junho de 2020, já voltou ao patamar de R$ 5 bilhões por mês. São seguros muito flexíveis. Em qualquer adversidade você faz o saque.
O que acha do plano do governo em permitir o saque parcial dos fundos de pensão?
E um avanço importante. Em algum momento a gente vai ter que discutir previdência aberta e fechada. Faz todo o sentido aproximar as duas e o que cada uma tem de bom. Você só não mexe no benefício definido porque tem uma renda garantida, então fica mais difícil você permitir saques.
O governo desistiu de acabar com o DPVAT?
Não gosto do DPVAT porque é um produto estruturado na forma de um monopólio, que, por definição, é uma coisa ruim. Quando a gente tentou discutir ele com o Congresso, a ideia não era acabar, mas reformular. Acabou não funcionando. Acho que foi mal interpretado. A gente tem uma sobra de recursos do DPVAT que decidimos utilizar. Enquanto esses recursos não se extinguirem, não há espaço para rediscutir o DPVAT. A gente tem um fôlego de dois a três anos, vai depender muito do volume de sinistros que esse fundo terá que pagar.
Essa discussão vai voltar em algum momento?
A gente vai discutir que o seguro tem que existir, mas não em forma de monopólio. O DPVAT é um seguro de responsabilidade civil, de danos contra terceiros, a favor do motorista e do passageiro. Não vejo motivo para que não possa ser operacionalizado por qualquer seguradora.
Como ficou a fusão entre a Previc, que fiscaliza os fundos de pensão, e a Susep?
Eu trabalhei no projeto de unificação, a gente discutiu com o Ministério da Economia, a proposta estava amadurecendo e veio a pandemia. Agora não tem espaço no Congresso para se debruçar sobre um assunto administrativo. Talvez no ano que vem esse assunto volte. A vantagem da junção é a economia de escala, a gente consegue unificar as regras de previdência aberta e fechada. As regras têm que se aproximar, inclusive, para que a gente tenha uma portabilidade mais fluida. Defendo a tese de que o participante, da previdência aberta ou fechada, deve poder escolher por onde quer receber a aposentadoria dele.
Fonte: O Globo